terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O CRIME DE MAGDA



                                                                


Um estampido ecoou pela sala de Magda. Casada há apenas três anos com Agnelo, ainda não tinham filhos e seus parentes moravam em outra cidade. Viveram em harmonia apenas nos dois primeiros anos de casados, porém, estranhamente, sem motivos justificáveis, paulatinamente, Agnelo passou a tratá-la de forma desumana e cruel. Além disso, Magda soubera que o marido vinha tendo um caso extraconjugal com uma bela jovem, de bem menos idade que ele.
  O barulho da arma disparando tragicamente, fez com que ela soltasse um grito de supremo desespero, como que arrependida pelo crime que ela mesma acabara de cometer.
  O marido, ensanguentado, fora alvejado pelas costas após violenta discussão entre ambos, em que ele a esbofeteou, impiedosamente, como já houvera feito em outras ocasiões.
  Agnelo expirava sem nada dizer! Apenas seus olhos de assombroso espanto ainda se voltaram para a esposa como se ele não estivesse acreditando no que tinha acontecido.    Seu sangue escorria pelo carpete da sala quando Magda, ensandecida, retirou a aliança de casamento, jogou no corpo inanimado de Agnelo e sussurrou em seus ouvidos com voz lacrimosa:
  - Tudo terminado! Agora estou livre e vou procurar ser feliz.
  Era dia de São João. A cidade estava em festa! E antes da trágica discussão, Magda havia perguntado ao marido se ele gostaria de sair com ela naquele dia festivo. A resposta, porém, foi negativa e demasiadamente brusca, aliás, como sempre ele fazia quando ela demonstrava o desejo de saírem juntos.
  A bela e jovem viúva tomou um banho rápido como a desejar fugir do crime impregnado em sua epiderme e que agora também tomava conta de sua alma. Após o banho, perfumou-se. Retirou do guarda-roupa algumas de suas vestimentas preferidas. Manuseou o relicário, retirou também dali as lembranças mais queridas, exceto os presentes recebidos de Agnelo. Recolheu um pouco de dinheiro que vinha guardando sem que o marido soubesse, jogou tudo numa valise e saiu sem destino.
  Anoitecera. O espírito das festas juninas tomava conta das pessoas. Havia um clima de euforia no ar, mas, para Magda, a cada passo que dava aumentava ainda mais o seu crucial tormento. Mesmo um pouco cambaleante e fora de si, caminhava a esmo pelas ruas sob os folguedos que contrapunham a seu desespero, prenunciando a noite feliz. Sentia-se sempre mais atordoada com a luminosidade dos postes e dos candelabros que ornamentavam várias lojas e residências. Vez por outra, esfregava os olhos com as mãos nervosas e trêmulas, passando-as também pelo rosto que se contorcia pelo desespero.
 Magda usava calça jeans, uma blusa azul clara e trazia no pescoço um lenço e um cordão revestido de ouro que cintilava a cada clarão dos fogos de artifício na passagem da brisa do anoitecer.
  Sem se dar conta de onde estava, continuou caminhando em passos lentos pelas ruas centrais da cidade até chegar a um viaduto, próximo de bonita praça, em cujo local, coincidentemente, ela havia conhecido o marido que mudara tanto de comportamento e que, agora, jazia na casa abandonada e triste.
  Seguindo pelo viaduto, de repente, os momentos felizes com Agnelo vieram-lhe à mente... Quanto mais neles pensava, tanto mais se alucinava e desejava fugir da realidade nefasta.
  Por fim, ao chegar ao meio da ponte, volveu os olhos lacrimejantes para o azul do céu onde já vislumbravam as primeiras rútilas estrelas divisando o colorido e os sons uníssonos de alguns foguetes e assim, magnetizada pelo encanto da amplidão colocou a valise no chão e subiu no muro de proteção do viaduto, talvez iludida na crença de que ali estaria perto do céu.
  Num átimo inusitado a lembrança do corpo agonizante de Agnelo contorcendo-se de dor e vertendo sangue pelo chão lhe trouxe ainda mais tormento. E assim, na confusão do pensar, disse em voz alta:
  - Adeus, amor ingrato! – E foram essas suas últimas e derradeiras palavras.
   Definitivamente, Magda enlouquecera. E assim, despercebidamente, soltou uma das mãos e, antes que pudesse voltar a se agarrar na proteção da ponte, seu frágil corpo despencou-se das alturas atingindo violentamente a negritude do asfalto, numa cena de terrível pavor.
  O estampido de um fogo de artifício ecoou, mas para Magda o som lhe era ensurdecedor, e a pobre mulher parecia ter ouvido o mesmo estampido do tiro que desferiu no marido. A cidade emudeceu!... A queda fatal e apavorante paralisou o trânsito, e os transeuntes foram se aglomerando ao redor do corpo inerte no asfalto revestido de carmesim enquanto a valise em abandono, do alto da ponte, parecia acenar as alças para Magda, num último adeus, enquanto fagulhas de fogo crepitavam na amplidão deserta e triste.


                                                                 Antenor Rosalino